Eram só vinte cêntimos de
aumento. Vinte cêntimos a mais para apanhar o autocarro ou o metro. Coisa
pouca. Quem se chateia por causa de vinte cêntimos?
Mais ou menos meio Brasil.
Aquele país imenso, com mais de
190 milhões de habitantes, a que o eixo do atlântico norte chama, com certo
paternalismo, “potência emergente”, tem visto, nos últimos dias, as ruas e as
praças a encherem-se de gente a manifestar-se e a protestar. A “potência
emergente” ganhou “consciência emergente”.
O Brasil não protesta por a vida
ter piorado. Nos últimos quinze anos, o país de Fernando Henrique Cardoso, de
Lula da Silva e de Dilma Roussef tem crescido ao nível dos melhores sonhos para
qualquer país europeu. As estatísticas falam de 30 milhões de pessoas
resgatadas da pobreza durante os governos de Lula. A economia cresceu, o
rendimento disponível das famílias aumentou, o desemprego mantém-se abaixo dos
6% e só desde 2011 foram criados mais de 4 milhões de novos postos de trabalho.
Então… de que se queixa esta
gente?
Há uma multidão imensa de
pessoas que começaram a viver melhor. Têm mais dinheiro no bolso, mais formação
e – aqui bate o ponto – mais aspirações. Legítimas e justas. Nada mais
subversivo do que um povo com aspirações.
Todos estes homens e mulheres
querem ter aquilo que até agora só estava ao alcance de uns poucos. Querem um
serviço público de saúde decente, um sistema educativo com mais qualidade, uma
justiça que funcione, transportes eficientes… Porque não basta ter dinheiro
para comprar umas calças Levi's ou poder dar-se ao “luxo” de ir jantar fora de vez em
quando. Paralelamente aos índices macroeconómicos, subiu o nível de exigência,
subiram as expectativas. As manifestações brasileiras são uma espécie de
nervoso miudinho da esperança.
Perante este quadro, os gastos
sumptuários com a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, com as correspondentes
derrapagens e corrupção associada, foram vistos como um insulto. Aquilo que os
dirigentes brasileiros esperavam vir a ser uma enorme festa nacional, comemorativa
do crescimento alcançado, transformou-se numa bandeira de protesto. A ninguém
escapa a deliciosa ironia: o Brasil cansou de bola.
Voltou a cumprir-se o princípio
bem conhecido pelas ciências sociais: as revoluções e convulsões não acontecem
quando tudo está mal; acontecem quando “o sistema” começa a melhorar, alimenta
esperanças e acaba a defraudar expectativas. A esperança defraudada é um
rastilho à espera da primeira faúlha…
PS: E nós por cá? Bem, nós por
cá ainda estamos a pagar facturas de Expos, estádios de futebol (olha a
coincidência!), estradas e pontes, pavilhões e piscinas… e, sobretudo, as
facturas de uma certa mentalidade política, marcada pelo novo-riquismo, e
insuflada por cada um dos milhões de euros que temos recebido, ao ritmo de 9 por
dia, desde a adesão à Comunidade Europeia… E agora? Agora continuamos pobres,
analfabetos funcionais, doentes e mal tratados e, ainda por cima, endividados.
Mas podemos sempre inscrever-nos na natação ou percorrer fantásticas
auto-estradas que desembocam num qualquer centro comercial que será sempre
(tenho a certeza!) o maior e mais moderno das redondezas.
Publicado n'A Mensagem de Mora
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