Estranhos Rebeldes



Nas últimas semanas, a agenda mediática foi dominada por casos de justiça que envolvem personalidades conhecidas do mundo político e económico.
Desde o prisioneiro 44, até à condenação de Duarte Lima, passando pelo caso BES e pelos Vistos Gold, não faltou matéria de comentário e debate.
Todos estes casos são importantes e têm relevância para a vida pública. Merecem análise e escrutínio público. Mas, como sempre acontece, a contra-informação, o emaranhado mediático e a fragmentação com que chegam ao grande público impedem, obviamente, qualquer pretensa compreensão da verdade e das suas consequências.
É nestes momentos que sabe melhor mergulhar em obras que nos possam dar uma leitura compreensiva de certos acontecimentos históricos, o que só é possível depois de assentada a poeira. Só o tempo permite enquadrar actores e acções, colocá-los em perspectiva e enquadrá-los de forma ponderada e proporcional, fazendo emergir o seu real impacto na História.
É isso que faz Christian Caryl, no seu livro “Estranhos Rebeldes”. Lança um olhar lúcido sobre o ano de 1979, descobrindo nele as pessoas e os acontecimentos que, na sua perspectiva, mudaram o mundo e fizeram nascer o século XXI, como hoje o vivemos.
O autor foca-se em quatro movimentos sociais e nos seus protagonistas: a revolução iraniana, de Khomeini e o início da jihad afegã, a vitória eleitoral de Margaret Thatcher; a eleição de João Paulo II e a sua peregrinação à Polónia e o lançamento das reformas económicas na China, pela mão de Deng Xiaoping.
Acontecimentos aparentemente independentes e com “estranhos rebeldes” (belíssimo título!) a liderá-los, estas cinco “histórias” acabaram por dar origem ao mundo como o conhecemos. Atravessando o mesmo ponto histórico de inflexão, estes quatro líderes desencadearam transformações de fundo que conduziram ao tempo actual, em que “o pensamento comunista e socialista se desvaneceu, em que os mercados dominam o pensamento económico e em que a religião politizada (Islão) marca uma importante presença”.
Através de uma prosa limpa, uma análise inteligente e uma capacidade notável de relacionar dados e informações, o autor faz uma leitura sagaz da História recente, ao mesmo tempo que nos leva por uma demonstração da lei das consequências não intencionais. Os acontecimentos que moldaram o contexto actual, dificilmente eram perceptíveis naquela época. E, no entanto, “quer se goste quer não, ainda vivemos à sombra de 1979”.

A abertura dos telejornais traz-nos relatos prementes da espuma dos dias. Mas nunca é demais lembrar que são quase sempre só isso.

Publicado n'A Mensagem de Mora

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